Saiba quem é e o que pensa o homem que começou a derrubar o esquema das petrorroubalheiras
De 11 de julho de 2013 para cá, o juiz Sergio Moro tornou-se uma
celebridade nacional. Não há semana em que não tenha um convite para falar em
algum evento, e a inclusão de seu nome na lista de palestrantes é garantia de
casa cheia. Não há lugar público - restaurante, aeroporto, fila de táxi - em
que ele não seja aplaudido por populares. Em 2015, sua figura ganhou ainda mais
preeminência em função do contraste entre sua distinção pública e as mentiras e
pontapés e manobras e bandalheiras gerais que cobriram Brasília de escárnio.
Com a notoriedade, Moro teve de abandonar o hábito de ir para o trabalho de
bicicleta. Está um pouco mais gordo e, apesar da timidez pétrea, um pouco mais
desinibido. Ganhou traquejo no trato com a imprensa, que sempre o cerca nos eventos
públicos com flashes e perguntas, e também se habituou ao assédio do público,
que o cumula de pedidos de selfies e autógrafos.
A mudança
mais relevante, porém, nesses dois anos e meio, é também a mais sutil: Moro
tornou-se um juiz mais duro, não na dosimetria das penas, mas na acidez das
críticas que agora permeiam suas sentenças, e tornou-se, também, um juiz mais
indignado com o cortejo de tramoias que contaminam o processo democrático. As
sentenças dos 1 200 processos em que atuou em quase vinte anos de carreira
constituem uma longa crônica dessa lenta mutação. Para examinar esse universo,
VEJA escalou Susana Camargo, pesquisadora-chefe da revista, para colher o maior
número possível de sentenças dadas por Moro de 2000 para cá. Vasculhando-as já
em formato digital e não descartadas pela Justiça, Susana reuniu 300 sentenças
prolatadas por Moro nos últimos quinze anos. A primeira é de 5 de fevereiro de
2000. A última, de 2 de dezembro passado.
A leitura
minuciosa das 300 sentenças mostra que Moro escreve, em média, doze páginas por
decisão. Em proporção, condena mais os homens do que as mulheres. Seus críticos
propagam que é um juiz tão implacável que, em suas mãos, até Branca de Neve
pegaria prisão perpétua, mas Moro, ao contrário, nunca aplica a pena máxima e,
de vez em quando, recorre à pena mínima. Normalmente, sentencia os condenados a
"penas pouco acima do mínimo mas ainda distantes do máximo", como
costuma escrever. Sempre que pode converte a reclusão em prestação de serviço à
comunidade. Escreve as sentenças com ordem e clareza, de modo que os condenados
possam lê-las e entendê-las. Não usa palavrões como "interpretação
teleológica" ou "hermenêutica jurídica" e quase nunca emprega
expressões em latim, cujo uso abusivo é tão corriqueiro no juridiquês nacional.
Da leitura das sentenças, que são
sempre escritas pelo próprio Moro, surge um panorama que expõe a complexidade
de um juiz que procura combinar rigor e generosidade e atender às necessidades
urgentes de um país que se paralisou na impunidade e permitiu que a corrupção
atingisse níveis grotescos. Nisso, constata-se que a carreira de Moro divide-se
em três grandes etapas, cada qual com seus ensinamentos. A seguir, o que elas
dizem sobre a cabeça do magistrado.
Do começo até 2002 - Empossado como juiz em 1996, Moro, então com
apenas 24 anos, teve uma passagem rápida por Curitiba e foi trabalhar no
interior, em Cascavel, no Paraná, e Joinville, em Santa Catarina. Suas
sentenças dessa época mostram um magistrado idealista e inclinado à promoção da
justiça social. Deu várias sentenças que lidavam com questões de caráter
social. Ao portador do vírus HIV que pretendia aposentar-se como inválido, Moro
disse não. À vítima de microcefalia que pleiteava um benefício financeiro maior
do governo, Moro disse sim. Nesses anos iniciais, tomou decisões claramente
motivadas por sua preocupação em oferecer alguma proteção aos mais vulneráveis.
Na vara previdenciária, chegou a ser conhecido como "o juiz dos
velhinhos", por sua tendência a julgar a favor deles e contra o INSS.
Decidiu que menores órfãos tinham direito a pensão do INSS em caso de morte dos
avós. Insurgiu-se contra o critério dos programas de renda do governo que
brindavam os pobres com um benefício superior ao concedido aos idosos e
portadores de deficiência física, que também eram pobres.
Em sua
agenda também entraram casos de fraude do INSS e sonegação do imposto de renda.
Nisso, revelou-se um juiz sensível aos rigores do mercado, mas com limites.
Quando empresários enrolados descontavam imposto ou contribuições sociais de
seus empregados e deixavam de repassar os recursos ao governo, Moro quase
sempre os absolvia se as irregularidades decorressem de dificuldades
financeiras reais da empresa. Do contrário, aplicava-lhes "penas pouco acima
do mínimo mas ainda distantes do máximo" e as substituía por serviços à
comunidade. Mas, quando condenou uma companhia telefônica, a Telesc, a reabrir
um serviço de atendimento ao público, cujo fechamento prejudicava os moradores
mais humildes, fez questão de defender uma tutela moderada sobre a iniciativa
privada. Citando o constitucionalista americano Cass Sunstein, democrata que
trabalhou no governo Barack Obama, Moro escreveu: "Mercados não devem ser
identificados aprioristicamente com a liberdade; eles devem ser avaliados
segundo sirvam ou não à liberdade".
Para um
juiz acusado pelos adversários de favorecer os tucanos, é interessante notar
que Moro assinou sentenças que poderiam ter desmantelado o Plano Real, a obra
máxima do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Num caso de junho de 2001,
dez servidores públicos pediram a correção da tabela do imposto de renda desde
1996, ano em que o Plano Real congelara os reajustes.
Na sentença, Moro contestou o dogma segundo o qual a atividade
judicial não pode assumir o lugar dos legisladores, que aprovaram lei proibindo
qualquer correção, e atendeu ao pleito dos servidores públicos, condenando a
Fazenda Nacional a restituir tudo o que cobrara a mais. Em outro caso, de abril
de 2002, o autor da ação judicial contestava a decisão do governo, de 1997, de
desindexar o valor das aposentadorias e pedia reajuste pelo IGP. Na sentença,
Moro censurou o governo pela adoção de índices sem transparência, afirmou que a
preservação do valor real das aposentadorias era uma garantia constitucional e,
para fechar o raciocínio, lembrou a "célebre advertência" do juiz
John Marshall, presidente da Suprema Corte americana, inscrita numa decisão de
1819: "Não podemos esquecer que é uma Constituição que estamos interpretando".
Moro aceitou o reajuste pelo IGP e mandou o governo pagar a diferença. Na
época, reindexar a economia e criar gatilhos automáticos de reajustes era tudo
o que o governo pretendia evitar. Se as sentenças de Moro tivessem prevalecido
nacionalmente, o governo FHC teria tido desfecho bem diferente.
Veja.com
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