domingo, 27 de janeiro de 2013

A jornada dos peixes-bois no Solimões

Cinco animais que foram reintroduzidos à natureza há dois meses continuam sendo monitorados

Há dois meses acompanhei, a convite da Petrobras Ambiental e do Instituto de Pesquisa Mamirauá, a soltura de cinco peixes-bois que viveram quase toda a sua vida em cativeiro. Resgatados em diferentes circunstâncias (leia a história aqui) e condições dramáticas, os animais tiveram uma nova chance de viver a partir dos esforços dos moradores das comunidades ribeirinhas localizadas na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã e dos pesquisadores do Instituto Mamirauá.

Fiquei três dias hospedada em um barco de linha à beira do Lago Amanã, afluente do rio Solimões, na divisa dos municípios de Tefé e Maraã. Foi a oportunidade que tive para conversar com os moradores das comunidades e com os cientistas e profissionais que eram verdadeiros “pais e mães” dos peixes-bois.

Havia dois grupos de peixes-bois. Em um deles estavam os cinco animais prestes a seguir na nova jornada pelas águas que ficavam em um curralzinho no meio da água (tem foto neste texto). Desta forma, eles iam se acostumando com o habitat natural.
Outros dois peixes-bois, mais ou menos filhotes, diria adolescentes (Japurá e Helena), permaneciam na piscina artificial, se alimentando de vegetação aquática e leite com vitaminas. O momento da mamada era uma ternurinha só. Até eu, não muito dada a tatibitatis e guti-gutis, fiquei enternecida. 

O pessoal do Mamirauá desenvolveu uma mamadeira própria que permite o animal beber o leite dentro d´água. Um invento muito apropriado porque, desta forma, a  se assemelha à mamada natural no seio da mãe.


Lágrimas
 
Agora eu vou falar. Me deu vontade de chorar enquanto testemunhava os preparativos da soltura. Ficava enchendo o saco dos moradores das comunidades que colaboravam com os pesquisadores. “Mas e se eles se perderem? Se eles não quiserem ser soltos? E se ele não se acostumarem com a nova vida? Se eles forem mortos”? Fiz essas perguntas meios tola até para a Míriam Marmontel, projeto de Conservação de Vertebrados Aquáticos (Aquavert) do Instituto Mamirauá.

Eu não tive muitas respostas para essas perguntas emocionadas e um tanto piegas. Na verdade, eu sabia que ninguém me responderia mesmo. Nem os cientistas. Todos estavam muito concentrados, preocupados para que tudo desse certo. 

Claro que todos sabiam que, ao longo de quatro anos, os trabalhos para ajudar os animais na reabilitação foram extremamente sérios e realizados com modelos científicos avançados. Os esforços para elaborar uma tecnologia de monitoramento foram brilhantemente executados.
Mas volto a afirmar. Me deu dó. Quando entrevistei uma das moradores da comunidade fiquei novamente com os olhos lacrimejantes. Ela estava feliz, mas com o coração apertado (foi a expressão que usou), pelo medo de ter feito “um trabalho em vão”. “Sabe, eu preferia que eles continuassem aqui com a gente”, comentou ela, pedindo para que essa declaração não fosse publicada na matéria que fiz para o Jornal A Crítica na época.

No momento da soltura, num sol à pino de agosto, uma hora da tarde, aquela expectativa. Quase uma hora no cercado de contenção para uma última adaptação. 

Lembro que comentei com a Tatiane, assessora de imprensa da Petrobrás Ambiental (que patrocina o projeto do Instituto Mamirauá): “E se eles não quiserem sair?”. Por isso não foi muita surpresa para mim quando, realmente, a gente esperou, esperou, aguardou e nada.
Os animais continuaram circulando no cercadinho. Horas, muitas horas depois eles começaram a fazer o reconhecimento. Descobriram que poderiam navegar mais longe, explorar outras áreas.

Finalmente, no início da noite, o último dos cinco peixes-bois se atreveu a sair do cercado, para a felicidade (e, acredito eu, para a tristeza também) de quem durante todos esses anos trabalharam para que estes animais soubessem o que é viver em liberdade


Notícias
 
De vez em quando eu pergunto do Augusto Rodrigues, assessor de imprensa do Aquavert, cuja sede é em Tefé, as últimas notícias dos peixes-bois.

No final de agosto, logo após a soltura, o Augusto me enviou o seguinte email:
“A última informação que tive sobre a telemetria dos peixes-boi é que eles ainda estão no igarapé do Juá Grande, mas não estão nadando juntos. O Alagoilton é mais difícil de saber, já que não dá pra vê-lo debaixo d'água”. 

No final de setembro, recebi este outro email, mais detalhado:

“Eles continuam sendo monitorados por duas equipes, nos turnos da manhã e da tarde. As equipes estão conseguindo localizar os bichos. Em alguns dias, os animais estão todos juntos, noutros ficam dispersos. Benguela, a única fêmea, costuma nadar ao lado de Negão (eles já foram localizados no lago Amanã, bem perto do Centrinho). Os animais estão se movimentando bastante, mas ainda não percorreram uma grande área. A expectativa é que eles passem o período da seca na área do lago Amanã e que, na cheia, acompanhem a migração natural dos peixes-boi para a região de Mamirauá”.

Nesta semana, o Augusto me falou que o Instituto Mamirauá fará um sobrevoo para tentar localizar o Jovenal. São essas as notícias. Vamos torcer para que o futuro de Piti, Negão, Alagoilton, Jovenal e Benguela  seja de liberdade nas águas amazônicas.

* As fotos aqui publicadas são da veterinária Carolina Oliveira. Na primeira foto, o charme de Benguela. A segunda mostra o Centro de Reabilitação de Peixes-Bois Amazônicos, o Centrinho, localizado no meio do Lago Amanã, afluente do rio Solimões. 

Blog Elaize Farias

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