Segundo Ronaldo Lemos, decisão de juíza de SP afronta o estabelecido na lei: "O que ocorreu foi uma gambiarra, uma coerção indevida não prevista em lei com efeito colateral gigantesco"
Ronaldo Lemos(Divulgação/VEJA) |
A juíza Sandra Regina Nostre Marques conseguiu chamar a atenção
de Mark Zuckerberg. Diante dasuspensão do WhatsApp determinada - e já revogada - pela juíza em todo o Brasil, o CEO
do Facebook, dono do WhatsApp, publicou um texto criticando a decisão.
Com o despacho, a juíza
chamou também atenção para a fragilidade legal da internet brasileira, avalia o
advogado Ronaldo Lemos, idealizador do Marco Civil, lei sancionada
neste ano que estabelece os direitos e os deveres dos personagens da rede no
país. Segundo Lemos, a decisão da juíza foi "equivocada",
frontalmente em desacordo com o Marco e também com a Constituição, impondo
censura a quase 100 milhões de usuários do serviço. "O episódio revela
nossa fragilidade: com aval da Justiça, quatro empresas, as operadoras de
serviços de telecomunicações, têm condições de derrubar qualquer serviço de
internet. É uma situação muito perigosa". Quatro empresas e uma juíza,
diga-se. Leia a seguir a entrevista que Lemos concedeu a VEJA.com.
O que significa a decisão de bloquear o WhatsApp aos olhos do
Marco Civil? É uma
interpretação equivocada. A ideia de suspender sites e aplicativos não está
prevista em nenhum lugar do Marco Civil. Ao contrário, a lei prevê a proteção
da liberdade de expressão. Além de ferir o Marco, a decisão é inconstitucional
e fere a Convenção Americana de Direitos Humanos, que estabelece que qualquer
situação de censura é inadmissível. O que ocorreu é uma gambiarra, uma coerção
não prevista em lei com efeito colateral gigantesco.
Que prerrogativas, afinal, tem a Justiça em relação aos serviços
de internet, segundo o Marco Civil? O artigo 12 do Marco Civil estabelece sanções
aos serviços que desrespeitem normas estabelecidas na própria lei. O artigo 11,
contudo, deixa claro que as sanções não incluem a retirada do ar dos serviços,
mas apenas a suspensão das atividades de coleta, armazenamento e tratamento de
dados pessoais ou de comunicação por provedores de conexão e de aplicações de
internet. Ou seja, o que o Marco autoriza é uma sanção econômica, o que é grave
por si só. Não sei de onde a juíza retirou a ideia de que é permitido tirar do
ar o serviço.
Consta que a juíza tomou a decisão após requerer do WhatsApp,
sem ser atendida, dados de um criminoso que usava o serviço. O que a Justiça
poderia ter feito em lugar de derrubar o aplicativo?Há várias
formas de lidar com situações como essa, quando a empresa está estabelecida em
outro país, caso do WhatsApp. O caminho correto é recorrer aos acordos de
cooperação judicial que o Brasil tem assinado com diversos países, como o
firmado com a Suíça, que permitiu recentemente trazer para o país os dados
relativos às contas bancárias do Eduardo Cunha. Já temos acordos com os Estados
Unidos também. Para ter ideia do absurdo dessa decisão judicial, imaginemos se
um banco brasileiro com serviços nos Estados Unidos fosse acionado pela Justiça
americana: um juiz daquele país jamais determinaria a suspensão dos serviços.
Impressiona-me o fato de a decisão ignorar essas questões institucionais.
Qual a lição do episódio? O episódio revela nossa fragilidade: quatro
empresas, as operadoras de serviços de telecomunicações, têm condições de
derrubar qualquer serviço de internet. É uma situação muito perigosa. Mais: uma
juíza estadual de primeira instância consegue derrubar o serviço de 90 milhões
de usuários do país todo. Então, o que nos salva é o Marco Civil, aparato legal
que impede que a rede seja usada com intenção de censura. O Marco proíbe, por
exemplo, o Poder Executivo de exercer influência na internet, como ocorre na
Turquia e Rússia, onde os governos podem simplesmente desligar a rede, sem
sequer ouvir a Justiça. No Brasil, o Executivo está proibido de fazer isso.
Apenas o Judiciário pode determinar a remoção de conteúdo - apenas isso -, mas
não a remoção de aplicações, como aplicativos e sites. O que espero é que
tribunais superiores usem o Marco Civil da forma certa e nos defendam. Isso já
aconteceu antes e os tribunais entenderam.
Como evitar que os casos como esse se repitam? O que me surpreendeu neste caso foi a posição
das teles. Aparentemente, apenas a Oi recorreu da decisão. Então, parece ter
havido mudança de posicionamento das empresas, que aparentemente lavaram as
mãos. Existe responsabilidade das operadas. Quando se tentou tirar o Secret das
lojas da Apple, a empresa recorreu. As teles já haviam resistido em outras
situações. Houve mudança de posicionamento.
O que fazer agora? Reforçar institucionalmente a questão da
libertdade. Os tribunais precisam cassar essa decião o mais rápido possível. E
precisamos nos defender contra projetos de lei, como o PL 215, que querem
aumentar controle sobre a internet.
Veja.com
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